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Germana, a iguana

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 10 de fev. de 2022
  • 5 min de leitura

Germana, a iguana

​​​​Ticiano Leony

​A família Romeu escolheu bem uma casa para passar as férias de inverno no hemisfério norte onde morava e alto verão nas Piscinas Naturais do Papa-Gente em Praia do Forte. Além de Mama e Papa Romeu, foram Baby Rafa, os tios de Papa, Carmen e Fernando da Espanha e mama Barreiro, “madre” de Papa.

​A casa, muito confortável, pertence a uma família chinesa, há muitos anos radicada na Bahia, tanto que os filhos já são todos baianos, estão casando com nativos e se tornando completamente “da terra”.

​Mas não perdeu a tradição xintoísta. Na decoração há estátuas de Buda, painéis e lustres que lembram típicas lanternas de papel e nas paredes e como não poderia deixar de ser, grandes painéis coloridos com imagens de dragões.

​Um dia, logo depois do meio do ano, quando chove à vontade no litoral norte, Germana, a iguana, passeava tranquila no jardim gramado à sombra de duas aroeiras pontilhadas de sementinhas vermelhas. Uma belezura! Ela estava de verde, o tom preferido de seu couro para se disfarçar e se esconder dos cachorros, aqueles bichos malvados que os homens-vestidos deixam que vivam em suas moradas. Germana procurava um lugar quieto para por seus ovos, resultado do amor intenso que tivera com seu querido Fred.

​Aquele Fred era um exemplar perfeito. De cor bem escura, enorme, com uma crista espinhenta e eriçada e a cauda listrada, era o sonho das iguanas casadoiras. Germana e Fred haviam se conhecido ali mesmo, mas no terreno ao lado, ainda baldio, sem a presença de humanos-vestidos.

-Germana –ponderou Fred do galho mais baixo da aroeira onde gostava de ficar --qualquer hora destas chega gente para esta casa. Não ponha os ovos aqui, é muito arriscado.

-Querido, você já viu como esta morada é direcionada a nós?

-Como assim? Aí vivem humanos-vestidos, aqueles que quando estão com fome ou até por pura diversão, não hesitam em nos passar no porrete!!!

-Hahahahahaha! Fred, querido, estes são modos de falar? Passar o... nem vou repetir esta palavra horrorosa.

-Mas espelha a verdade. Batem com o porrete na nossa cabeça, levantam-nos pelo rabo, abrem no meio com uma faca afiada, tiram-nos a pele, nossas vísceras e vamos parar numa trempe em cima de algum braseiro e cobertos de sal!

-Deixe de ideias absurdas, Fred! As pessoas desta morada não fazem isto. Além do que, nos dias muito quentes, ainda contamos com este belo lago azul de deliciosas águas cristalinas para amainar o calor. Nenhum lugar é melhor do que este!

-Pois eu, durante a construção desta morada, precisei dar de chicote com minha cauda para intimidar um homem-vestido que queria me dar com o porrete.

-É, mas esta casa é diferente das outras, é onde há um culto aos nossos ancestrais!

-Lá vem você com suas sandices! Como você sabe disto?

-Sabendo... Quando eles chegarem e abrirem as varandas, vou lhe mostrar através das portas de vidro. Podemos até entrar na sala, você verá.

-Está bem, mas eu insisto, vá por os ovos na areia do terreno ao lado. É mais macio. Mais fácil de cavar!

-Fred! E eu sou lá tartaruga para enterrar meus ovos na areia?

-Não quis dizer isto! Não falei em enterrar, falei em fazer seu ninho e nele por os ovos. Sei que você é caprichosa e fará um belo lugar para ter seus filhotes e que, com certeza atrairá Gerusa, Heliodora e Francesca.

-Este negócio de dividir o ninho nunca me agradou, mas, é da nossa natureza, paciência.

​Os dias se passaram, Germana acolheu a opinião de Fred e fez o ninho entre algumas bromélias de grandes e espessas folhas coloridas, embaixo de uma mangabeira, no terreno ao lado. Então, era só esperar o verão chegar e o calor ajudar a eclodir os ovos na entrada da nova estação chuvosa.

​Foi quando o sol estava quente e chovia esporadicamente, chuva rápida de pingos grossos e generosos, que a família chegou. A moradia foi aberta e escancaradas as portas de vidro.

-Chegaram! –Disse Germana a Fred, os dois em galhos vizinhos da aroeira. –Vamos lá! Preciso lhe mostrar o que descobri.

​Desceram da árvore com cuidado. Papa e Mama Romeu descansavam na varanda.

-Olhe, querido! –Disse ela apontando para a dupla de iguanas sem sequer imaginar que seria um casal. —Será que gostam de banana?

-Devem gostar. Vou buscar o Baby para ver.

​As iguanas foram aos poucos se aproximando, prevenidas e desconfiadas.

-Será que não farão mal a nós? –Perguntou Germana.

-Acho que não! –Respondeu Fred –Eles têm cara de pacíficos. Não vão nos agredir.

​Papa chegou com o Baby e duas bananas amarelinhas. Ele as descascou e colocou no chão, embaixo de uma mesa redonda.

-Está vendo, Fred? Até estão nos oferecendo comida.

-Quando a esmola é muita, eu desconfio! –Arrematou Fred com sua sabedoria de botequim. –Mostre logo o que viemos ver!

-Venha mais para perto! –Convidou Germana.

​Os dois se arrastaram lentamente em direção ao interior da casa. O piso liso dificultava a locomoção, suas compridas garras escorregavam na porcelana das lajotas e impedia maior velocidade.

-Será que estes bichos são tão mansos que vão entrar em casa? –Perguntou Mama Romeu.

-Não tem problema! –Respondeu Papa sentando numa cadeira e colocando o Baby no chão.

​O menino caminhou destemido, até as iguanas. Pareciam-lhe monstros pré-históricos como via nos seriados da televisão.

-Este pequeno humano-vestido não oferece perigo! –Disse Germana sentindo o cheiro atrativo das bananas maduras.

​Ela chegou ao umbral da porta. Ao seu lado, Fred olhava em volta com sua visão multicolorida. Perscrutava o interior da grande sala.

-Está vendo na parede a flâmula com a pintura? –Indagou Germana.

-Claro que estou! Você sabe que bichos são aqueles?

-Devem ser nossos ancestrais, Fred.

-Não vejo qualquer semelhança nossa com dragões.

-Dragões?

-Sim, Germana, Dragões. E estes aí em especial, parecem fantasiados para ir à alguma escola de samba. Muito espalhafatosos. vamos embora. Estes bichos não existem e nunca existiram.

-Você os conhece?

-Ninguém conhece ou conheceu dragões. São animais encantados que fizeram o folclore de várias civilizações. Estes estrangeiros donos desta casa, vêm de um país que cultua os dragões como animais protetores de suas casas e palácios. Tanto que colocam pequenas estátuas nas cumeeiras das moradias para proteger as famílias. Sabia disto?

-Nunca soube, Fred. Por isto achei que eram nossos ancestrais.

-Eles colocam nove estatuetas nas cumeeiras dos telhados, desde uma pequenina até outra bem maior.

-Então deixe isto para lá e vamos tratar de comer as bananas.

​Germana e Fred foram até as bananas e se deliciaram. Papa, Mama e o Baby apreciaram muito a presença das iguanas.

-Papa! –Disse o Baby olhando as pinturas coloridas na sala –Aqueles bichos pintados na sala parecem as iguanas que vieram nos visitar. Será que elas são parentes dos dragões?

​Germana olhou para Fred e comentou.

-Ainda bem que não sou apenas eu que acho que descendemos dos dragões!

 
 
 

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