top of page

Ingrid, a baleia jubarte

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 18 de dez. de 2020
  • 5 min de leitura

​​​Ingrid Bahia, a jubarte

​​​​​​​​Ticiano Leony

-Finalmente chegamos –disse Ingrid a seu filhote Arnaq.

-O que viemos fazer aqui, inua?

-Cumprir as ordens da natureza!

​Este foi o diálogo que travaram mãe e filho jubarte ao chegarem às costas de Praia do Forte, na Bahia. Eles vinham num grupo de mais duas grandes baleias e seus filhotes cumprir o destino que a natureza lhes impunha desde que o mundo é mundo.  Ali, naquelas águas tépidas, bem diferentes das águas geladas de Bahia Blanca, de onde haviam partido, cumpria a elas aguardar a chegada dos pais de seus futuros rebentos.

​De onde viriam? Era impossível prever. Poderiam vir de qualquer oceano ao sul da linha do Equador, porque raramente uma jubarte ultrapassa a divisão entre hemisférios. Greta, sua amiga e companheira de muitas migrações, tendo ao lado seu filhote Nuka, também estava esperando seu pretendente, assim como Malina, a mais jovem das três e ainda solteira.

​Enquanto nadavam de um lado para o outro, de vez em quando saltavam pondo-se quase inteiras ao ar com suas grandes nadadeiras, verdadeiras asas que inspiraram seus descobridores a chamá-las de megapteras há muitos séculos passados.

Assim, então, se deu o presente caso.

Mais alguns dias outras chegaram. Aproximaram-se e trataram de travar um relacionamento próprio de pessoas baleeiras educadas. Apresentaram-se.

-Somos de Baía Bustamante! –Disse a que aparentava ser a mais velha das duas que chegaram. –Chamo-me Frida e ela é Ágata. E vocês?

-Somos de Baía Blanca e me chamo Greta. Só quem nasceu aqui na Praia do Forte foi Ingrid. Por isso a mãe dela a batizou de Ingrid Bahia. –Disse Greta indicando a outra com a nadadeira. E aquela moça ali é Malina. Ingrid continua a vir a estas águas por ter nascido aqui.

-Esta é uma característica das tartarugas, não nossa.

-Ah! Mas é que foi nestas águas que ela se apaixonou pelo pai de Arnaq.

-Alguma coisa especial nele? –Indagou Ágata.

-Bem, é que além dele cantar muito bem e alto, o que sempre seduziu Ingrid, ele é lá do Norte, da terra Inuit.

-Não diga! Então ele atravessou o Equador?

-Pra você ver! E depois disso ele nunca mais foi tão para o Norte.

-E ele já chegou?

-Esta estação ainda não, mas não deve tardar.

​Então ficaram as cinco por ali servindo de atrativo para os observadores que vinham numa grande escuna observá-las e fotografá-las. Frida e Ágata estavam apartadas, ou seja, seus filhotes já não estavam com elas. Apenas Ingrid e Greta ainda estavam com as crias embora já não as amamentassem e Malina era uma moça casadoira que teria seu primeiro relacionamento amoroso naquela estação.

​Foi então que chegou a notícia de que Amaruq, o inuit por quem Ingrid se apaixonou, estava em alto mar enredado numa rede de pesca. –O que vamos fazer? –Perguntou Frida. Quem trouxe a notícia foi uma vetusta tartaruga-de-pente chamada Érica.

-Venho todos os anos a esta praia desovar. Todos os meus centenas de filhotes nasceram aqui, assim como eu.

-Minha senhora –disse Greta –Minha amiga Ingrid vai ficar inconsolável com esta notícia. Precisamos dar um jeito!

-Ouvi meu nome? –Indagou Ingrid que nadava num ângulo que as outras não viram.

-É que há um problema! –Disse Frida.

​Érica tomou a palavra depois de ter decidido que aquele não era assunto para ficar escondendo. Então contou a situação. Notava-se a preocupação crescente na fisionomia de pequenos olhos de Ingrid.

-Como podemos resolver este enredamento? –Perguntou Ingrid.

-Tem um sapo ali atrás daquele coqueiral que pode ajudar. –Disse Érica.

-Como um sapo pode ajudar a soltar uma jubarte de um emaranhado de redes em alto mar? –Perguntou Frida.

-Às vezes a criatura não acredita em Deus, mas se dá com alguém que acredita.

-Continuo sem entender –replicou Ingrid com ares de descrença.

-É que o sapo é amigo de uma garotinha e o avô dela pode falar com o biólogo chamado Adriano Paiva que por acaso é o dono da escuna que vem ver os saltos das senhoras. Os humanos nos criam problemas, mas quando são solicitados, sabem resolvê-los. –Esclareceu a sábia tartaruga.

-Então a senhora pode dar o recado?

-Naturalmente que posso. Vou lá agora mesmo.

-Mas veja se pode ir um pouco mais rapidamente do que de costume, senão não vai dar tempo e o pobre do Amaruq não resistirá!

-Deixe comigo! –Replicou a tartaruga.

​Ajudada pelas ondas e pela maré alta que cobria todo o arrecife em frente ao Porto das Baleias, Érica chegou mais rápido do que o normal bem junto à cerca que fechava o gramado. Com algum trabalho achou uma passagem sob o arame e arrastando o grosso casco no metal enferrujado, conseguiu passar. Logo anoiteceu e ela se viu meio perdida por causa das luzes dos refletores dos humanos.

​Érica foi aos poucos se lembrando do caminho da última vez que estivera por ali. Depois de se arrastar penosamente na grama, finalmente vislumbrou a piscina e a grande amendoeira. Foi quando ouviu uma voz que imediatamente reconheceu como sendo de um humano jovem. Devia ser uma menina ainda. Ela dialogava com alguém que coaxava. –Seria seu conhecido, o sapo General?

–Pensou ela. Aprumou a vista e o reconheceu. Aproximou-se mais.

-Olha, General! Uma tartaruga-de-pente aqui em nosso gramado!

​O sapo se virou. Abriu e fechou os olhos várias vezes antes de perguntar:

-É você, Érica?

-Ah! Então me reconheceu!

​O sapo caminhou com seu passo marchado para junto da tartaruga. Atrás dele, Rafinha cobria os seus passos.

-O que a traz tão distante da praia? Aqui não serve para você botar seus ovos! –Alertou o sapo.

-Não vim até uma terra tão dura e gramada, difícil de cavar, para botar ovos. Vim para ajudar a salvar uma grande jubarte que está embaraçada numa rede de pesca.

-Não me diga! –Exclamou o General.

​Rafinha não entendia bem o que ambos conversavam, mesmo porque a voz da tartaruga era praticamente inaudível para seus ouvidos humanos. Resolveu perguntar ao sapo do que se tratava tão importante colóquio.

-Rafinha, Érica veio até aqui nos pedir ajuda para salvar uma jubarte. Você tem que falar com seu avô. Ele é amigo do biólogo.

-Qual biólogo?

-O dono da escuna que leva turistas para observar baleias.

-Vou falar com meu avô agora mesmo! –Exclamou a menina decidida.

​Rafinha então correu para casa. Os pais e os avós estavam na varanda da casa conversando e aproveitando a brisa marinha do fim da tarde.

-Vovô, corre aqui!

-O que é Rafa?

-É segredo. Se eu contar vão dizer que estou inventando outra história.

​O avô calmamente se levantou e seguiu a menina até o gramado, sob a amendoeira. Ao chegar lá, mão dada à netinha, tomou um susto ao ver tamanha tartaruga tão longe da praia. Diminuiu o passo para não assustar o bicho. Ao lado, o sapo General.

-Do que se trata, Rafinha? –Quis saber o avô.

-Érica, a tartaruga, veio avisar que uma baleia está presa numa rede de pesca adiante dos arrecifes.

-Então preciso ligar para Adriano, o biólogo que tem a escuna. Só ele pode dar jeito, ainda mais a esta hora e já escuro.

-Você pode fazer isto, vovô?

-Claro que posso, mas vou ter que inventar uma desculpa para dizer como eu soube. Ninguém vai acreditar que foi uma tartaruga que nos disse.

​O avô deu as costas e foi para casa. Felizmente ele tinha o telefone do biólogo pois já o contratara para um passeio de observação de baleias. Ligou e lhe contou que soubera por um pescador que uma baleia estava enrolada numa rede. Adriano agradeceu, desligou o telefone e disse à esposa que sairia sem horário de retorno. Pegou o jipe, foi até o porto, chamou seus auxiliares e embarcou em busca da baleia enredada.

​Eram quase meia noite quando eles terminaram de cortar com lâminas bem afiadas, o nylon azul da rede que estava embaraçada nas nadadeiras do grande cetáceo. O animal saiu ileso, embora assustado. Era um macho muito bonito, observou Adriano.

-Felizmente alguém viu e soou o alarme.

​No dia seguinte, no passeio de observação guiada de baleias, cinco fêmeas se exibiram fartamente para a escuna. Ao lado delas um macho soberbo nadava majestosamente. Pelas marcas na cauda, Adriano reconheceu o macho que salvara na véspera.

​A paz reinava de novo no reino das baleias.


 
 
 

Comments


Assine e receba novidades dos lançamentos de Ticiano Leony

Ticiano Leony 

Av. do Farol, 2408 Praia do Forte CEP 48.287-000 Mata de São João, BA

Prazo para entrega: Até 15 dias

Email: teleony@gmail.com 

bottom of page