
Joaquim, o tamanduá-Bandeira
- Ticiano Leony
- 29 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Joaquim, o tamanduá-bandeira
Ticiano Leony
Caminhava Joaquim pela mata, lentamente como era seu ritmo habitual, recitando sua lamúria de todo dia:
-Ó céu, ó chuva, ó dor!
Ó mundo sem cor!
Quando por acaso encontrou Viriato, seu velho amigo, o calango verde. Começaram a conversa com a pergunta de Viriato:
-Pareces triste, Joaquim! Do que estás reclamando?
-Ah! Nada é como antes. Vês que há dificuldades para se conseguir até formigas e cupins! Insetos que viviam por aí, à toa, ninguém os queria nem ligava para eles! Sequer as deliciosas sarassará ou as apimentadas formigas-de-fogo
-Mas ainda é assim! Ninguém quer cupins e formigas próximos a suas moradas.
-Justamente este é o problema. Já ouviste falar em formicida?
-Claro que sim! É um veneno terrível contra as formigas.
-E já ouviste falar em cupinicida?
-De certo que sim. Com ele elimina-se os cupins.
-Então! É disto que se trata! Como nós, os tamanduás, mesmo os meus irmãos mirins, vamos sobreviver? Já nascemos com as nossas bocas pequenas e as línguas enormes que não têm serventia para comer outra coisa que não formigas e cupins. E ainda temos que andar léguas para conseguir um cupinzeiro ou um formigueiro que valha a pena!
-Onde ando –disse Viriato –ainda vejo muitos cupinzeiros!
-Sim, na parte alta das árvores, em lugares de difícil acesso! Onde o bicho-homem não alcança, mesmo com seus potentes pulverizadores! –Argumentou Joaquim –refiro-me aos deliciosos cupins de chão, branquinhos e abundantes que chegam a ter o sabor da madeira e da terra!
-Estes não tenho visto. Eu também os aprecio quando estão na fase alada. Quando passa um por perto, não o deixo escapar.
-É o que te digo, meu amigo. Vivemos agora como o bicho-homem, tendo que mudar de uma terra para a outra!
-Os homens mudam por várias razões, Bandeira.
-Eu sei, Viriato. Mas antigamente nós não precisávamos ficar neste périplo. Mal encontramos uma região acolhedora de terra úmida, macia, formigas deliciosas e abundantes, chegam eles e constroem estes caminhos para seus monstros velozes. Caminhos descobertos, lisos, duros e quentes ao sol e escorregadios e traiçoeiros nas chuvas. Antes eu podia vagar livremente pelos campos abertos, correr de Chupica, a onça-pintada que se tornou minha mortal inimiga por causa daquela brincadeira!
-Hahahaha! Lembro bem! –Disse Viriato –Também tu tinhas que tentar ludibriar com um abraço, logo quem, Dona Chupica?
-Mas foi muito interessante vê-la na água, surpresa, enquanto eu me vestia com sua lindapele que ela havia deixado na beira do rio.
-Como trocaram outra vez?
-Ah! Vejo que o amigo Viriato não sabe dos detalhes: ao me ver com sua pele estampada, ela também saiu do rio e, para não correr despida, vestiu a minha pele cabeluda com o rabo hasteado como uma flâmula ao vento. Ela ficou atrapalhada com a cauda, mas como é mais veloz do que eu, acabou me pegando e me obrigando a desfazer a troca. Foi muito engraçado, pena que ela tenha ficado minha inimiga mortal. E olha que todas as vezes que nos encontrávamos eu fazia questão de lhe dar um abraço!
-Sinal que jamais fora tua amiga. Mas o caso serviu para definir o que de fato é um abraço de tamanduá!
-De certo que sim, de certo que sim! E então, onde estávamos?
-No assunto das mudanças frequentes. –DisseViriato, e continuou –Vês, eu até gostava de ficar quentando sol nestes lugares. O problema são os monstros de pés de borracha! Já perdi dois sobrinhos esmagados por eles!
-No nosso caso, a dificuldade é atravessar tais caminhos. Não temos velocidade suficiente. Nossas unhas longas são mais apropriadas para subir os morros e escavar a terra. Quando vamos cruza-los, pode vir um destes monstros em alta velocidade e nos atropelar.
-Vocês são lerdos! –Disse Viriato.
-Um pouco! Não tanto como a comadre Dona Sancha, a preguiça-de-coleira.
-Qual o remédio?
-Mudarmos e mudarmos até chegarmos ao fim do mundo.
-Mas sempre terá um jeito.
-Não imagino qual. A situação da nossa convivência com o Bicho-homem é intransponível. Veja bem. Quando ele revolve a terra para plantar, semeia com abundância e as plantas nascem. A terra fica macia, boa de andar e até cavar. Embaixo das plantas é fresco e às vezes ainda fazem chover. Uma maravilha para quem tem tanto pelo como eu. Só que...
-O que?
-Eles aplicam formicidas e outros remédios tóxicos. Então o jeito é voltar para as matas que restam. São pequenos capões entre uma plantação e outra. Lugares íngremes onde as máquinas não chegam. Mas, sabes, não gosto de florestas. Em lugares úmidos e sem sol, os carrapatos fazem morada em meu pelo longo. Sofro o diabo, Viriato!
-A única solução então, é seguir percorrendo o mundo, como disseste, até encontrares uma reserva.
-O que é reserva? Não é zoológico, pois não?
-Não, não é! São grandes espaços onde não podem plantar, derrubar, cultivar, semear. As terras ficam intocadas, são espaçosas, extensas e naturais e onde há muitos cupinzeiros daqueles que são uns montes grandes e nada nasce em cima.
-Não há perigo de fogo?
-Bem, perigo de fogo sempre há!
-Então um lugar destes, aparentemente ideal, mesmo com tantos cupinzeiros, fartos de comida, ainda assim não é perfeito.
-Mas é o melhor que há. Eu te garanto!
-Vou acreditar em ti, amigo Viriato. Vou providenciar um meio de transporte que me leve e à minha esposa Jane para uma reserva. Afinal, ela está esperando um herdeiro.
-Muito bem, amigo Joaquim. Espero que consigas te mudar em breve. Certamente numa reserva, ainda que criada pelo bicho-homem, terás como sobreviver e preservar a sua espécie.
O calango Viriato correu até uma pedra, virou-se para onde estava Joaquim e despediu-se.
-Vou ficando por aqui mesmo!
E entrou em sua loca.

Melhor mesmo é Joaquim e Viriato irem para uma reserva.