Madrugada

Madrugada

Ticiano Leony

De vez em quando acordo no meio da noite com alguma ideia para colocar no papel. Mas acabo pegando no sono outra vez e o assunto se perde nas brumas da memória obliterado pela madrugada. Hoje aconteceu outra vez. Assustei o sono altas horas, sobressaltado com um pensamento. Quando levantei pela manhã cedo, procurei lembrar do acontecido e nada! Deu-se um branco como se diz ou “varreu-se-me da memória” como dizia Dias Gomes pela boca de Odorico Paraguassú. Passei o dia todo tentando me recordar da lembrança longínqua e nada. Ao voltar para casa, me deparei com a notícia da morte de Marília Mendonça. O que isso tem a ver? Já explico: junto com a cantora, exuberante de fãs, faleceu seu assessor de imprensa. Pronto! O assunto da madrugada voltou nítido. Esta semana o veterano escritor Áchel Tinoco foi entrevistado por Lucinha Palmeira da Faculdade da Felicidade. Participei ao vivo e vi o inconformismo de Áchel com o desprestígio dos escritores no âmbito da cultura nacional, a ponto de gente estranha ao mundo das letras escritas, ser guindada ao exclusivíssimo Olimpo acadêmico. Pongado na entrevista de Áchel, cheguei a contar aos participantes um evento no qual um caminhão tombou numa rodovia deste interiorzão do Brasil e o prefeito da localidade foi com a secretária de segurança verificar o acidente. Ao se aproximarem, ele reparou que a carga estava intacta, sem qualquer sinal de saque como acontece muitas vezes e emitiu esta observação. Ela então comentou a arrepiante frase:

-Eram apenas LIVROS!

Ou como aconteceu comigo quando agendei com uma editora a apresentação de meu primeiro livro e no dia aprazado ela me dispensou porque tinha horário marcado com o…eletricista! Eu disse na tampa: -uma editora que dá mais importância ao eletricista do que ao autor, não me serve!

Voltando a esta madrugada, ocorreu-me que quase todo o universo da cultura tem assessor de imprensa além de outros profissionais que orbitam a celebridade: atores de teatro, televisão e de cinema, cantores, compositores, maestros, artistas plásticos prestigiados e até quem assume o estrelato de algum esporte, tem o danado do assessor de imprensa. E os escritores? Necas de pitibiriba!!! Pode ser que J. K. Rowling ou Ken Follet, exponentes literários de milhares de edições e milhões de livros, ou até o tupiniquim Paulo Coelho ou Laurentino Gomes, tenham um assessor compartilhado com outros ou com suas editoras. Mas nós que disputamos o mercado a grito, jamais teremos, como Jorge Amado não teve, nem Veríssimo ou Montello, José Lins do Rego, Adonias Filho, Ariano Suassuna ou Cora Coralina. Sei que são expoentes de outros tempos, mas os contemporâneos deles de outras artes e de alhures, certamente tiveram. Presley, Sinatra, Iglesias, Aznavour, Montand, todos devem ter tido alguém que lhes organizasse as agendas, mas os que derrapam na planície, ficam a vida toda no limbo da popularidade. Ainda mais no Brasil onde pouco se lê, onde mal se vende livros, onde livrarias fecham em grupo e as bibliotecas públicas são raras ou inexistem. Áchel, Mário Calmon, Nilvano, Aydano Roriz e até o premiado Itamar Vieira, preparem-se: seremos a vida toda assessores de nós mesmos!