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Nico e Nena

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 8 de dez. de 2020
  • 6 min de leitura

Nico, o mico e Nena, a sabiá



-Ei! –Exclamou Rafinha se dirigindo ao sapo General –Onde vai assim, com esta disposição?

-Hummm! Você anda me fiscalizando, é?

A menina, esperta como só ela, caiu na risada.

-Não, General. É que presto atenção em você.

-Quer dizer que a senhorita está tomando conta de mim?

-Só quero saber se onde você vai não é perigoso.

-Não é não... vou aqui perto resolver uma querela.

-O que é querela?

-Um desentendimento entre vizinhos que frequentam a mesma árvore.

-Vizinhos?

-De vez em quando. Nico e Nena.

-Quem é Nico?

-O mico, aquele desassuntado que vive arreliando dos outros, fazendo careta e assobiando por qualquer coisa! Nico só anda em grupo, raramente desce das árvores e... você vai ver o que ele está aprontando com Nena, a sabiá!

-Nena é uma ave? Pensei que fosse a esposa de Nico.

-Hahahahaha! –Gargalhou o sapo.

-Posso ir junto?

-Seu avô vai deixar?

-É longe?

-Não, é aqui pertinho.

-Então vamos.

Saíram os dois caminhando pelo gramado vasto e verde. O General andava lentamente e de vez em quando dava um salto grande para acompanhar as passadas da menina. Lá adiante, encontraram a amendoeira onde moravam os que estavam em desentendimento.

O General e Rafinha ficaram parados esperando e nada acontecia. Foi quando começaram a ouvir os assobios dos micos.

-Estão chegando! –Disse o sapo General.

Mas quem chegou primeiro foi a sabiá:

-Ah! General! –Foi dizendo a ave. –Ainda bem que o senhor veio, mas acho que de nada vai adiantar!

-Mas o que Nico anda fazendo? –Perguntou Rafinha. –É alguma coisa grave?

-Gravíssima! –Respondeu a sabiá. –Se eu lhe contar...

Nena começou a se lamentar.

-E não é só comigo. Ele nos prejudica a todos.

-Prejudica como, dona sabiá? –Perguntou a menina.

-Prepare-se para sofrer comigo!

-Quando Nico acha meu ninho, chupa os ovos! Sabe o que é isto? Ele destrói nossos futuros filhotes para se alimentar, e pior, por pura preguiça. E não apenas os meus, ele come os ovos de todos os passarinhos, do bem-te-vis, dos cardeais, dos sanhaços, dos canários, de todos. Mas só eu voo atrás dele. Às vezes consigo colocá-lo para correr e protejo os ovinhos, mas outras vezes estou longe. Bem faz Seu João de Barro que tem a casa fechada!

-Que absurdo! –Exclamou Rafinha. –O que vamos fazer?

-Vamos esperar ele chegar e conversar. –Decretou o General.

Em poucos minutos chegou Nico e toda a sua alegre família. Pulavam de um galho para o outro ou passavam por cima dos fios de telefone e dos cabos de internet. Dona Nena então fez um voo rasante mas Nico se esquivou e desceu para uma galha mais baixa da amendoeira para ficar mais próximo do sapo.

-Está vendo, General? Esta doida varrida não aguenta me ver e já avança para me bicar. Em tempo até de eu perder um olho. –Disse o sagui em tom de queixa.

-Mas seu Nico, se você come os ovos dela?

-Mas se eu tenho fome? –Replicou o sagui –Aqui tem poucas frutas e se eu entro nas casas para descolar uma bananinha madura, sou enxotado com a minha família. Ali naquela rua de trás, a Rua das Ostras, mora um doutor médico que tem uma pistola de água para me afugentar! Imagine?

Ao perceber que o General e a menina estavam dando muita atenção ao mico, dona Nena deu outro voo rasante sobre o sagui.

-Nem adianta, sabiá. A senhora não consegue me pegar, sou mais matreiro do que a senhora! Olhe –disse Nico arreliento –da senhora, eu tenho é pena! –E começou a assobiar alto.

-General –disse a menina –O que vamos fazer?

-Eu tenho uma ideia!

-E qual é?

-Espere! –Então o sapo se virou para a ave que estava sobre um piquete ao lado de um quebra-molas –Vou pedir à senhora, dona Nena, que faça seu ninho nos galhos mais altos da amendoeira. Seu Nico e sua família só andam pelos galhos intermediários para baixo.

-Vou fazer esta experiência –respondeu ela – E vou avisar aos outros também.

Então o General se virou para o sagui e preveniu.

-Se você insistir em comer os ovos dos passarinhos, serei obrigado a levá-lo à presença da juíza Dora.

-Quem é a juíza Dora? –Perguntou Nico.

-É a dona Coruja! –Respondeu o sapo.

-Hummm! –Fez o mico lambendo os beiços –Os ovos dela devem ser grandes e saborosos.

-Ainda assim ela é a Juíza e você corre perigo de ser condenado! –Ameaçou o sapo.

-Assim não vale! –Replicou o mico.

-Não vale por que?

-Ela também é ave como dona Nena e coloca ovos. Ela será parcial e tenderá a julgar a favor da sabiá.

-Acho melhor você respeitar a Juíza. Mesmo porque ela só coloca os ovos nos ocos das árvores, exatamente para prevenir-se contra você que é de pouco esforço para procurar comida.

O General se virou para a sabiá e indagou?

-Estamos de acordo?

-É, vamos fazer a tentativa, mas de qualquer forma vou mandar

uma mensagem para a Juíza para preveni-la do risco que é colocar ovos em terra onde há micos.

Então despediram-se e foram embora.

-General –comentou Rafinha já chegando em casa –Você foi muito sábio! Este comportamento do Seu Nico ficar comendo os ovos dos passarinhos é muito sério. Espero que ele se contenha.

A primavera acabou, veio o verão e depois o outono. Na primavera seguinte chega o sapo General todo afobado, dando saltos enormes. Depois ficou esperando até que Rafinha apareceu na varanda da casa dos avós.

-Menina! Estou desesperado!

-O que houve, General?

-Seu Nico tornou a comer os ovos de dona Nena.

-Ela lhe obedeceu? Mudou o ninho?

-Mudou para o olho da amendoeira. Uma galha altíssima, quase pertinho do céu. Mas ainda assim seu Nico foi lá e papou três ovinhos. Ela foi chegando na hora, voou ao encontro dele, mas ele como sempre se evadiu?

-O que vem a ser “evadiu”?

-Fugiu, Rafinha, desceu pulando de galho em galho e foi embora. O jeito é falar com a juíza Dora.

-Então vamos –disse Rafinha.

A coruja havia feito sua casa bem ali no tronco da grande amendoeira. O sapo e a menina foram se aproximando lentamente enquanto a coruja chirriava pousada na borda do oco. Ela estava muito elegante com uma gola de arminho branco e grandes óculos redondos de aro escuro.

-Hummm, já percebo a chegada de problemas –disse ela em tom de boas-vindas –como posso lhes ajudar?

-Doutora –respondeu o General –Seu Nico o sagui, está comendo os ovos dos passarinhos.

-Ouvi dizer no ano passado que dona Nena, a sabiá, havia mudado seu ninho para o olho da amendoeira e que o problema havia sido sanado.

-Mudou, de fato, mas ele agora está outra vez perseguindo a sabiá e ela está desconsolada.

-Não é para menos –disse a coruja. –E esta mocinha aí, o que deseja?

-Ela é minha auxiliar, Meritíssima. É a menina Rafinha. O avô dela mora ali naquela casa da piscina. –Esclareceu o sapo.

-Ah! Então somos vizinhas!

-Perfeitamente! –Disse o General.

-Vou enviar uma intimação para seu Nico comparecer à minha presença! E ele que não se faça de tolo de vir comer os meus ovos.

Dois dias depois chega o sagui para a audiência. Presentes, Nena, Rafinha e o General.

-Dou por aberta a sessão da audiência! –Declarou a coruja. –Seu Nico, o senhor já sabe o teor da queixa, portanto se explique para receber seu castigo.

-Não tenho direito a um advogado? –Indagou o mico.

-Tem direito e se não puder pagar, a corte lhe indicará um defensor público.

-Mas eu tenho um advogado. Já está chegando.

Todos olharam para a entrada da pequena clareira onde acontecia a audiência. Então entrou Armadillo, o Mestre Tatu. A coruja retomou a palavra:

-Senhores, já que o senhor Nico trouxe seu advogado, vou deixar que ele fale pois já deve ter lido a intimação.

-Pois não excelência. –Disse o tatu. –Eu sempre defendi e fui partidário da lei da sobrevivência e neste caso irei interrogar primeiro Seu Nico para que se justifique perante a corte do mesmo jeito que me convenceu a vir defendê-lo.

Nico se dirigiu à frente da Juíza e Doutor Armadillo pediu que o acusado se dirigisse à doutora Juíza e falasse. Nico então falou:

-Vou dar um exemplo aqui que envolve o General.

-Como é? –Interrompeu o sapo.

-Calma, General! –Disse o advogado.

Então Nico continuou:

-Houve uma enchente muito grande no Rio Pojuca. Foi muita chuva nas cabeceiras do rio. Descendo a correnteza, boiava um velho toro de madeira e sobre ele um escorpião. Pelo toro passou nadando fagueiro um sapo cururu, parente do General. Então o escorpião chamou o sapo e pediu que ele o carregasse até a margem ou acabaria se afogando, pois, o toro em breve afundaria. O sapo olhou a cena e declarou:

-Você é venenoso e traiçoeiro. Se eu lhe der carona nas minhas costas, você vai me picar.

-Senhor sapo, se eu lhe picar, você morre, eu me afogo e morro também. Seria suicídio!

O sapo pensou um pouco e acedeu. O escorpião subiu nas costas e o batráquio começou a nadar de través na correnteza. No meio da travessia o escorpião picou o sapo. Quase que imediatamente ele começou a ficar tonto com o veneno.

-Você garantiu que não iria me picar! –Protestou o sapo –E ainda assim, com risco de morte, você me picou. Já estou ficando zonzo, morreremos antes do rio chegar ao mar sem que eu consiga nadar até a margem. Por que você fez isto?

-Não pude evitar, senhor sapo, mesmo sabendo que ambos morreremos –desculpou-se o escorpião –É da minha natureza...

A Juíza bateu o martelo na casca da árvore, tomou a palavra, declarou seu Nico inocente por comer os ovos dos passarinhos e deu o caso por encerrado.



 
 
 

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