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O Corneteiro Atrapalhado

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 10 de nov. de 2021
  • 4 min de leitura

O Corneteiro atrapalhado

​​​​​​​Ticiano Leony

​Seu nome? Luiz Lopes, Corneteiro Lopes ou Corneta Lopes. Ao certo, nunca se soube. Sempre fora um indivíduo apagado, sem importância, tendo inclusive, sido mendigo no Rio de Janeiro.

​Puseram-no uma alcunha pela qual é conhecido, estudado e até festejado. Sem certeza, nascido na aldeia de Espinho, em terras lusitanas, obrigou-lhe o pai a servir à Legião. Com ela foi ao Brasil ainda em 1819. Primeiro ao Rio de Janeiro, capital da colônia. Lá reverberavam as conversas da independência. O Príncipe Regente, deixado no comando das terras brasileiras pelo seu pai Dom João VI, rei de Portugal, tinha arroubos de monarca absolutista. Dizia-se nas Cortes ter tendência a ser mais um déspota esclarecido, tão ao gosto do que vigia na velha Europa seguindo ao pé da letra o que Dom João lhe recomendara ao embarcar de volta à Lisboa: põe a coroa sobre a tua cabeça, antes que algum aventureiro dela lance mão!

​Em fevereiro de 1821 a província da Bahia ameaçava libertar-se do reino. Havia um movimento em surdina e o Comandante de Armas, o brasileiro Manoel Pedro de FreitasGuimarães, via-se tolhido pelas Cortes GeraisExtraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa sediadas em Lisboa. Ainda havia a lembrança da Revolução dos Padres em Pernambuco que em 1817, chefiada por Domingos Martins e apoiada pelo clero, especialmente Frei Caneca, Padre Miguelinho e Padre Roma, transformara a Capitania numa República.

​Em dezembro de 1821 chegaram os decretos das Cortes de Lisboa que, além de abolirem a Regência, retiravam da Junta Governativa do Rio de Janeiro todo o poder administrativo, militar e judicial e ordenava o retorno, na mesma esquadra, do Príncipe a Portugal.

​O Príncipe Regente que tinha o apoio do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, empurrava a crise institucional com a barriga. No dia 9 de janeiro de 1822 ele desobedeceu oficialmente a ordem,tendo sido apoiado oficialmente por uma carta oriunda da Província de São Paulo, entregue em sua mão por José Bonifácio de Andrada e Silva. Ele reagiu ao documento, proclamando perante uma delegação de membros do Senado da Câmara: – Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo, que fico!

​Como Manoel Pedro, Governador de Armas da Província da Bahia, deixava a desejar em lealdade e fidelidade, certamente por ser brasileiro, as Cortes em Lisboa tomaram uma atitude radical e unilateral: em 15 de fevereiro de 1822 fundeou em frente à cidade de São Salvador a nau Leopoldina levando o decreto que nomeavao português Ignácio Luiz Madeira de Melo, major bravo, bruto e destemido, novo Governador de Armas da Província. A atitude, tomada de supetão a ponto de a carta com o decreto de posse estarsem os selos e carimbos necessários de aprovação pela Junta, o Brigadeiro Freitas Guimarães negou-se a passar o cargo. Foi um furdunço que resultou na divisão das forças da capital. Quartéis houve que se mantiveram fiéis ao antigo governador,enquanto outros aderiram ao novo comando. Madeira de Melo pediu mais tropas à Portugal, mas foi atendido apenas em parte.

​A contenda acirrada em Salvador, levou a Junta Governativa a proibir a queima do Judas no sábado de Aleluia para que a figura de Madeira de Melo não fosse exposta no lugar do apóstolo traidor.

​Em setembro o Príncipe Regente declarou a Independência, até aí sem derramamento de sangue. Em Salvador as famílias, os obreiros e oficiais das mais diversas artes puseram-se em retirada para o Recôncavo, indo ocupar as mais próximas cidades do interior: São Francisco do Conde, Cachoeira, Santo Amaro, Saubara, Nazarédas Farinhas, Inhambupe, Itapicuru. Seus líderes reuniram tropas de voluntários, reconheceram a autoridade de Dom Pedro frente ao Governo do Brasil e colaboraram com mantimentos e munições para compor o Exército Pacificador. Também ocuparam as herdades, os engenhos e asfazendas. Salvador estava sitiada e Madeira deMelo percebia que o desabastecimento seria seu maior inimigo. Já faltavam gêneros de primeiras necessidades e havia muitas bocas a alimentar. Era necessário romper o cerco, invadir o Recôncavo e acabar com a resistência.

​Em novembro de 1822, após a chegada dos reforços enviados pela Corte numa esquadra comandada por João Félix Pereira de Campos,Madeira de Melo empreendeu a primeira tentativa de seguir rumo ao Recôncavo e ao interior da Província. Havia quatro mil homens sob seu comando contra mil e trezentos brasileiros sob as ordens do militar francês Pedro Labatut, comandante em chefe do Exército Pacificador. O Coronel José Barros Falcão de Lacerdacomandava a Primeira Brigada. Os brasileiros dispunham apenas de uma simples peça de artilharia armada no adro da Igreja de Pirajá. Depois de oito horas de acirrado combate, o Coronel ordenou ao Corneteiro Luiz Lopes que tocasse “retirada” por entender a batalha perdida.

​Segundo o testemunho de Ladislau dos Santos Titara, autor no hino ao Dois de Julho e participante da batalha, Luiz Lopes tocou “cavalaria avançar” e em seguida “cavalaria degolar”. O exército português, confundido com as ordens ouvidas, entrou em pânico e partiu em debandada julgando terem chegado muitos reforços por terra para Pedro Labatut.

​Em total desespero por estar sitiado e derrotado em Salvador, onde o contingente de portugueses era muito maior que o de brasileiros, Madeira de Melo ordenou a invasão a Itaparica como último recurso, para tentar chegar ao Recôncavo pelo estreito de Funil, tendo sido mais uma vez derrotado.​

​Não tendo como resistir à força do Exército Pacificador, na madrugada de 2 de Julho de 1823 Madeira de Melo deixou a Cidade do Salvador.Embora vencido, negou-se a capitular frente ao Coronel Lima e Silva. Seguiu para Lisboa com a esquadra do Almirante Thomas Cochrane em seu encalço, levando uma comitiva de portugueses fugidos e um grande butim subtraído das repartições públicas, das igrejas e conventos e das residências dos brasileiros que haviam se mudado para o Recôncavo.

​Madeira de Melo morreu em Lisboa, esquecido e empobrecido. Foi mal recebido pelas Cortes e responsabilizado pelo fracasso na defesa de Salvador da Bahia. Foi humilhado e chegou a ser recolhido ao Castelo de São Jorge e posteriormente, à Fortaleza de São João.

​O mal-entendido do Corneteiro Lopes, salvou a capital da província.​

 
 
 

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