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O Tambor Soledade - A história de um quadro

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 27 de jan. de 2022
  • 5 min de leitura

O Tambor Soledade – A história de um quadro

​​​​​​Ticiano Leony

​Todos os eventos históricos em qualquer lugar do mundo têm, porque merecem ter, uma representação comemorativa, um monumento. Pode ser sob forma de uma estrutura em ferro como a Torre Eiffel em Paris, em pedra como o obelisco no Mall em homenagem a George Washington, em fer forgé e cobre, como a Estátua da Liberdade em Liberty Island, New York, esculpidos em maciços de granito como Mount Rushmore, ou em mármore como o monumento ao unificador da Itália, Vittorio Emanuelle II. São muitos os exemplos mundo afora.

​Desde 1895 a Independência da Bahia já estava representada pelo belíssimo monumento ao Dois de julho, em Bronze e mármore, localizado no Campo Grande em Salvador. Mas aí existia um tipo de injustiça, afinal, as batalhas pela Independência do Brasil começaram na Bahia, não na capital da província, mas na Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, no Recôncavo, às margens do Rio Paraguaçu, em 25 de junho de 1822, ou seja, antes do famoso grito da Independência, próximo ao Riacho do Ypiranga em São Paulo que aconteceu a 7 de setembro.

​Como remediar tal injustiça?

​Em 1928, era Vital Soares Governador da Bahia e Francisco Prisco de Souza Paraizo, Secretário de Interior, Justiça e Instrução. Foram eles instados pelas lideranças cachoeiranas a desfazer a injustiça. A verba de que se dispunha de cinquenta contos de réis não era suficiente para erguer um monumento ou mandar fundir uma estátua. Foi então lançado um concurso público de ideias e propostas. Devido à limitação do orçamento, muitos competidores se retiraram. Restou então o artista plástico niteroiense, Antônio Diogo da Silva Parreiras que se assinava Antônio Parreiras.

​O ilustre pintor tomou conhecimento do edital, que dava título à obra: “O Primeiro Passo para a Independência da Bahia”, edital cheio de exigências, como por exemplo, a visita pessoal ao local que deveria ser retratado o evento o mais fidedignamente possível. Deveria o artista esforçar-se para ler toda a documentação disponível, ouvir possíveis relatos e com isto inteirar-se da situação que deveria interpretar um pedaço do dia 25 de junho de 1822, data em que Cachoeira encabeçou a independência, aclamando o Príncipe Regente Dom Pedro I, defensor Perpétuo do Brasil. Tal ato que teve lugar no prédio da Casa da Câmara e Cadeia localizado no largo de mesmo nome, fez com que Ignácio Luiz Madeira de Melo, Governador de Armas da Bahia, mandasse uma escuna canhoneira bombardear a Vila de Cachoeira a partir do Paraguaçu. Ressalte-se que àquela época o Rio Paraguaçu era plenamente navegável e a cidade era um próspero entreposto comercial, possuindo inclusive um porto de onde partiam embarcações repletas de produtos e onde chegavam manufaturados. Era, por assim dizer, a entrada para o Recôncavo produtor de açúcar, tabaco e farinha de mandioca.

​Depois de assinado o contrato com o governo do Estado em outubro de 1928, Antônio Parreiras se dedicou a estudar a história nos documentos oferecidos, para melhor compreender a situação. Contou com a prestimosa ajuda do Doutor Bernardino José de Souza do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, narrador entusiasmado pelas lutas na Bahia.

​A tela de Parreiras deveria ficar no Palácio Rio Branco em Salvador, sede do Governo e ter medidas tais que, no primeiro plano, os personagens retratados tivessem o tamanho natural. Para isto foi necessária a elaboração de um painel de 6,00m x 4,00m a ser executado em óleo. Cachoeira sentiu-se outra vez ultrajada. Estava representada, mas não tinha a obra em exposição em seu território, palco verdadeiro dos embates. Para outra vez dirimir a injustiça, foi encomendada uma segunda tela ao mesmo artista, cuja pintura deveria ser reproduzida a terça parte da outra o que resultou num painel de 2,16m x 1,165m. O valor pago por este segundo trabalho foi de 5 contos de réis.

​O artista captou perfeitamente o momento histórico e retratou o instante imediatamente após a Aclamação quando da janela mais à esquerda do prédio da câmara, Manoel Teixeira de Freitas desfraldou a bandeira da comuna e fez a pergunta “se eram todos contentes que se aclamasseRegente Sua Alteza Real”. “Sim”! respondeu a numerosa assistência. Assim foi proclamada a independência, às nove horas da manhã de 25 de junho de 1822. Na tela, como deve ter acontecido na vida real, vê-se dezenas de personagens exultantes, alguns fardados, outros não, comemorando com chapéus e espadas, pernas abertas como se estivessem num movimento avante. Os fuzis estão em descanso e pode-se imaginar os gritos e as aclamações, tão nítida é a pintura. Há pouquíssimas mulheres, membros do clero, poucos indígenas e vê-se apenas uma criança. Ao fundo as velas da canhoneira que seria mais tarde tomada pelos cachoeiranos e ainda os restos da fumaça do disparo dissipados contra o diáfano céu azul.

​Logo após a Aclamação, conta a história que a canhoneira portuguesa, ancorada e meio enterrada na areia do rio, disparou um tiro único que resvalou no cais do porto transformando-se em dezenas de estilhaços que fizeram a primeira vítima fatal da guerra da Independência. Quem foi ela?

​Sabe-se que ao longo do tempo, os avanços das tropas nas batalhas, seguiam as ordens dos clarins ou cornetas e dos tambores. O soldado que portava o instrumento tinha o cargo de Tambor ou sendo o principal da tropa, Tambor-mor. Não era nas guerras considerado um cargo relevante do ponto de vista de importância hierárquica na tropa, embora fosse essencial. Tanto nas guerras no continente europeu, como no norte-americano, o tambor era considerado um “estimulador da coragem”. Conforme a marcação das batidas do tambor, a soldadesca avançaria mais rápida ou mais lentamente. Era o cargo de tambor semelhante a um trabalhador braçal, um artesão que labora com as mãos, diferentemente do Corneta que é considerado um cargo elevado como se tocasse o instrumento com a alma. O Corneta transmitia as ordens do comando para atacar, recuar, degolar, avançar a cavalaria, enquanto os Tambores, geralmente dois em cada brigada, reproduzindo as batidas do Tambor-mor, imprimiam maior ou menor velocidade de ataqueou recuo, tudo devidamente marcado e sinalizado.

​Pois bem, talvez seduzido pelo que lera nos documentos ou pelas narrativas enfáticas do Doutor Bernardino, Antônio Parreiras colocou no primeiro plano da obra, a imagem de um soldado negro tombado, nos estertores da morte, braço direito apoiado no seu precioso tambor e ao lado um outro combatente, aparentemente um oficialbranco, dando suporte ao moribundo, prestando-lhe o necessário alento e acudindo-o nos seus derradeiros momentos da vida tirada pelos estilhaços do único tiro deflagrado da canhoneira.

​Um pouco atrás há outro ferido a paisano, caminhando, trôpego, cabeça protegida por uma bandana, apoiado noutro soldado, este um encourado do Pedrão, possivelmente da tropa do Padre Brayner. Também retratados foram doutor Antônio Rebouças, chefe do movimento pela aclamação, Vítor Topásio e ao seu lado o Frei Marigner e o Padre Vilaboim.

​Vasculhou-se os documentos históricos em busca do Tambor-mor pintado na famosa tela.

​Aquele soldado, certamente o primeiro herói da independência, o tal que exercia a tarefa de Tambor-mor, era Manoel Soledade, negro de origem africana, talvez escravo liberto e alforriado, engajado na luta pela independência do Brasil, um herói quase anônimo, um patriota leal, quase esquecido como muitos outros.

Fontes consultadas

Flávio de Paula, Ao rufar do tambor da cruzada pro Tambor Soledade, Fundação Pedro Calmon, 2011

Jorge P. Freitas, O Tambor mor e o Tambor, blog de História militar, 2013

Luiz Henrique Dias Tavares, A Independência do Brasil na Bahia, Ed. Civilização Brasileira, 1977

 
 
 

1 Comment


Linda Neves, jornalista social
Linda Neves, jornalista social
Jan 27, 2022

Ticiano, aprendendo História da Bahia com Você. Adorei 👏👏👏👏

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