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Orobó, prólogo

  • Foto do escritor: Ticiano Leony
    Ticiano Leony
  • 8 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

Umas palavras sobre OROBÓ

Belina Gil Moreira


“Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram, mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê de se remexerem dos lugares.” Guimarães Rosa

Para Ticiano não foi tão “dificultoso” porque os seus “causos” foram contados antes, na estrada acaminho da fazenda, diante das corredeiras dos rios, “vendo o serpentear da estrada de terra.” Viraram rotina, acabaram aparecendo no café da manhã baiano, no almoço, no jantar, não tendo mais lugar nem hora. Para quem arou a terra, sulcou, plantou, esperou a colheita, negociou a safra e, ao mesmo tempo, encantou a infância de Milton, Larissa, Letícia e Leonardo, tornar-se escritor foi muito fácil.

Os “causos” do interior ele ouviu, viveu e soube recontar, tanto que, numa época em que não havia celular e a rádio que pegava era só AM, encontrava jeito para administrar a ansiedade daquelas crianças levadas. A estória devia de ser boa, mas seu jeito de contar é que era mesmo interessante para prender a atenção dos filhos. Sensibilidade não lhe faltou para trazer para a literatura as estórias que o encantaram e também o amor pela Bahia, por sua arte e cultura associadas à realização de um sonho.

Por isto, em Orobó, as palavras fluem nas descrições subjetivas, da escola instalada no porão da casa, antiga senzala que nunca teve utilidade antes, e ali a professora substituiu o feitor; das estradas por onde caminham o povo da feira, o povo do comércio, o povo de sua casa que viraram personagens. São todos íntimos e ele os traz para perto de nós. Escreve prosa como se fizesse poesia, revelando subjetivamente sua surpresa diante da paisagem ou do homem que faz parte dela.

Que prazeroso entrar naquela casa, do início de 1900, com infinidade de portas e janelas dando para o avarandado de onde se descortinam o rio e os pastos. “paredes centenárias, grossas, de pedra e cal, as vigas de madeira do teto, as tábuas, os olhais de vidro.” Sem luxo, mas acolhedora pela “austeridade”de sua construção, os singelos móveis de tão antigos se personalizam, compartilham com o leitor das doces aventuras daqueles que por ali passaram. O porão abandonado, recheado de cultura dos “livros de História, Filosofia, Política, as obras dos iluministas, Diderot, Voltaire, Montesquieu, Rousseau, D’Alembert, as fábulas de La Fontainee os contos dos irmãos Grimm.”

A linguagem é coloquial, informal onde o “l” por vezes é “r”. “E então como é que nós vamo fazê?” “Diga a Zé Ferreira pra vir cá.” “Ôxe! Menino. Vixe!” Restaura Ticiano, desta forma, a oralidade do sertão em sua simplicidade mantendo-se fiel ao regionalismo. Para contar os “causos” reais recheia-os de fantasia, entrelaça-os aos contos de fada, resgatando deles expressões como: “Um belo dia” e “Foi assim que entrou por uma porta e saiu pela outra, rei meu senhor que me conte outra.”...

Ticiano não se afasta dos costumes e comportamentos daqueles que vivem no sertão do nordeste brasileiro, mistura realidade e ficção, registra acontecimentos marcantes como a morte do coronel, pai de Talarico, depois da festa de São João. Ressalta hábitos: “O velório do coronel teve de tudo. Não faltou bolinho de estudante, bolo cortado em fatia, beiju de goma, arroz doce, sequilhos e biscoitos, bolinhas de jenipapo e café, muito café.” Traz ainda reflexões sobre a morte : “Meu filho, nós todos somos espírito, o corpo é somente a embalagem terrena. Enquanto estamos por aqui, o espírito que é invisível, transparente, para ser visto e reconhecido, toma a forma de um corpo. Seu pai, que Deus o tenha, em espírito continua aqui entre nós.”

Por ser um misto de realidade e ficção, em Orobó, não podia faltar uma história de amor, impossível pela diferença de idade, a professora, Dona Beatriz, mais velha do que Talarico. Constrói-se ela num ambiente assim descrito: “A lua nova era um risco no céu e os vagalumes se confundiam com as estrelas na noite escura. O barulho era de grilos numa orquestra ritmada pelo coaxar dos sapos.” Identificam-se os enamorados pela “solidão” e pelo descobrir de sentimentos mútuos. Nada mais propício para um clima romântico: identidade, amor impossível, solidão e natureza solidária aos sentimentos.

A confissão de Talarico, o enamorado pela professora: “tem alguma coisa errada com a professora Beatriz e eu... vosmecê sabe... quando ela está junto de mim, sentados no banco da varanda, ela me pega, passa a mão na minha, eu fico todo desconcertado, me sobe uma gastura pelo corpo...” Procura, na confissão, acompreensão de Don’Ana, aquela que tem resposta para tudo, esclarece todos os mistérios. É a sabedoria popular, o aprendizado da vida. “- Ah meu fio, “cê num sabe não, né? Isso é o que acontece entre um homi e uma muié... É chamego. Osmicê tá achamegado pela fessora e ela por vosmecê.”

Cada capítulo, anunciado por significativo título, tem seu objetivo, ora a escola, a casa, missa do coronel. Trata da construção e reconstrução de vidas marcadas pelo lugar, pela convivência, pelo amor e pela morte .O escritor é, ao mesmo tempo narrador e, quem sabe, personagem por isso estes se entrelaçam, conjugam e comungam através das lembranças do viver.

Orobó é uma obra prazerosa pelos personagens, que se tornam familiares, pelas paisagens por onde eles caminham, pelo resgate dos sonhos e das emoções, pela fantasia que começa por encantar o gaúcho, quando contrasta aquela terra com seu “torrão natal” e que lhe sobe à cabeça. “Depois de tanta conversa as horas se passam” e os leitores não se dão conta.

A pretensão de Ticiano é agradar a todos como agradou àquelas crianças por isto creio que os leitores vão saborear cada palavra, cada descrição, cada narrativa de “causo”. Acompanharão suas lembranças, seus sonhos, seus desejos, seus projetos.

 
 
 

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Ticiano Leony 

Av. do Farol, 2408 Praia do Forte CEP 48.287-000 Mata de São João, BA

Prazo para entrega: Até 15 dias

Email: teleony@gmail.com 

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