Vaidade
- Ticiano Leony
- 29 de abr. de 2021
- 3 min de leitura
Esta fábula estará no livro “Tatuapara-A natureza humana“ a ser lançado em 2022.

Vaidade
Ticiano Leony
Quando Deus, magnânimo, concluiu Sua grande obra, tendo criado céus e terra, o firmamento, os oceanos e as fossas marinhas, as geleiras e os glaciares, a fauna, a flora e os racionais, resolveu descansar.
Dizem que descansou por séculos, satisfeito com a Sua criação.
De onde estava observava atento os rumos que o projeto tomava. Como os animais se comportavam em relação à Natureza exuberante, como os ventos agiam para espalhar as nuvens no céu, o efeito da gravidade que permitia a chuva cair e irrigar os campos, as marés que se movimentavam de acordo com a Lua, a reprodução dos animais da terra, das águas e do ar. Passou também a admirar com uma ponta de satisfação, o Seu tino por causa da perfeição das espécies e das sutilezas da Natureza. Os pássaros soltos não se misturavam, cada qual se limitando a reproduzir-se em sua própria família, o pôr do Sol e a Lua cheia no céu estrelado, os eclipses e os cometas, as alvoradas e as sementes brotando depois das chuvas. Coisa linda de se ver.
De vez em quando Ele procurava saber dos Arcanjos, Serafins e Querubins a situação daqueles que Ele havia criado à Sua imagem e semelhança. Os humanos.
-Vão indo! –Garantia sempre um daqueles arautos. –Vão indo...
Até que um dia, após uma destas conversas, talvez até por estar entediado, o Criador resolveu ir mais fundo na inquirição.
-Isto de vocês sempre responderem da mesma forma, não Me satisfaz! Exijo os detalhes!
-Senhor –disse um deles –Os humanos vão muito bem, obrigado. Têm seguido à risca aVossa determinação. Tem procriado e se espalhado pelos quatro cantos da Terra. Vivem na pujança, pois plantam e caçam, usam a inteligência que Vós lhes destes. Forjam os metais, estão estudando e aprendendo a se comunicarem, vivem principalmente em paz e harmonia. Tudo está perfeito!
-Algo então está errado! –Ponderou o Senhor.
-Como assim, Mestre?
-Ora, quando os expulsei do Paraíso foi para que sofressem para aprender e para sobreviver. Foi para trabalharem para pagar o pecado capital.
-Mas Senhor, embora tudo esteja às mil maravilhas, há percalços!
-De que tipo, dizei-me!
-Há enchentes que lhes arrasa as plantações!
-Não é suficiente!
-Há os vendavais que lhes tiram os telhados das moradias!
-Acidentes da Natureza perfeitamente sanáveis! –Ponderou o Senhor.
-Também há as pestes que lhes dizimam familiares, amigos, aderentes. E as pragas que acabam as colheitas. Às vezes chegam a passar fome...
-Recuperam-se logo, pelo tanto que sereproduzem! –Ponderou o Criador.
-Senhor –advogou um dos Arcanjos –Tende piedade dos humanos! Não deveis ser tão rigoroso com eles. Vez em quando perdem suas plantações e seus animais de criação, sucumbem às marés e aos furacões, afogam-se na rebeldia das águas dos rios quando as chuvas são torrenciais, pelejam nos desertos onde a água é escassa e morrem de frio nos invernos inclementes. Deveríeis ser mais condescendente, afinal, não são todos filhos Vossos?
-Sim, decerto que são! Mas para educar e dar bom futuro aos filhos, nenhum mal há emcastigá-los, em fazer com que sofram um pouco.
-Vós sempre tendes razão. Que farás, Senhor?
-Deixai-me todos! Pensarei.
Então Deus se recolheu a Seus aposentos celestiais. Pensou, rabiscou, olhou planilhas, cartas, mapas terrestres e celestiais, analisou com acuidade a natureza humana, dormiu, sonhou e despertou. Tocou o sino monumental e convocou o Conselho dos Arcanjos, Serafins e Querubins.
-Pois não, Senhor –disse o Arcanjo –O que Vós decidistes?
-Está aí no pergaminho. Dotei os humanos de algo que poderá talvez até levá-los à destruição.
-Algum novo evento tectônico?
-Não.
-Alguma nova moléstia?
-Também não.
-Então o que?
-Dotei-lhes de algo novo na sua natureza. Está no pergaminho o nome e as consequências.
Todos olharam e leram simultaneamente.
Desenrolado em sua frente, com o título e a descrição do que Deus havia criado. Lá estava escrito: “A Vaidade”.
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